Com a chegada da pandemia da COVID-19 e a preocupação com o iminente colapso do sistema de saúde brasileiro, as campanhas Vidas Iguais e Leitos Para Todos surgiram em diferentes estados e ganharam o país, com um mesmo objetivo: mobilizar a sociedade e pressionar as instâncias do poder público para garantir o acesso universal e igualitário a todos os usuários com casos graves da doença que necessitem de leitos de internação e terapia intensiva através do Sistema Único de Saúde (SUS).
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia participa na tarde desta quarta-feira, 13, do lançamento do Manifesto Leito para Todos. O Dr. Thiago Campos, membro da ABJD - Núcleo Bahia, participará da atividade.
Acompanhe ao vivo o lançamento do manifesto no dia 13/05, às 14h, transmitido pela TV Rede Unida (https://www.youtube.com/user/RedeUnida1).
Divulgue e compartilhe esta iniciativa. Confira o manifesto na íntegra:
MANIFESTO
Em poucas semanas a pandemia da COVID-19 vai levar o sistema de saúde brasileiro
ao colapso, isto é, ao ponto a partir do qual não será possível atender a demanda de
casos graves de internação e terapia intensiva. Como o próprio Ministério da Saúde
admite, esse cenário se torna cada vez mais provável na medida em que: a curva de
evolução da epidemia segue em crescimento; persistem dificuldades para a
implantação das medidas de isolamento em áreas urbanas periféricas com condições
precárias de moradia, saneamento, renda e trabalho; a mais alta autoridade do país
desdenha dos impactos do vírus e da necessidade de medidas de contenção.
O Sistema Único de Saúde (SUS), público, gratuito e universal, é o principal
instrumento para enfrentar essa situação. Diversos estados têm mobilizado esforços
crescentes para a ampliar a oferta de leitos por meio da adaptação de espaços
assistenciais públicos existentes e da criação de hospitais de campanha. Medidas
importantes, mas insuficientes frente aos enormes desafios que se apresentam a curto
prazo. As secretarias estaduais e municipais não serão capazes de responder sozinhas
a essa situação.
Estudos sobre a demanda por cuidados intensivos indicam que em 53% das regiões
de saúde será necessário dobrar a capacidade instalada de leitos de Unidades de
Terapia Intensiva (UTI) que para isso seriam necessários 18,6 bilhões de reais [1].
Outras projeções estimam que, a depender do cenário, o déficit pode chegar a 24.500
leitos de UTI e o esgotamento destes pode ser dar por volta do início do mês de maio
[2]. Quando se consideram as disparidades regionais, a situação pode ser ainda pior.
Para além da insuficiência de leitos, corremos o risco de que o atendimento aos
pacientes portadores do coronavírus reproduza uma incômoda marca estrutural do
sistema de saúde brasileiro: a desigualdade. Em 2019, o Brasil contava com cerca de
15,6 leitos de UTI para cada 100.000 habitantes[1]. Todavia, para cada leito per
capita disponível para o SUS, existem aproximadamente 4 disponíveis para os planos
de saúde [3]. O sistema público utiliza cerca 45% do total de leitos de UTI[4],
enquanto mais da metade se destina a 25% da população que é cliente de planos de
saúde. A ciência tem mostrado que a organização fragmentada da rede hospitalar,
decorrente da segmentação do acesso, pode limitar concretamente a capacidade de
atendimento aos casos graves de COVID-19[5][6].
Para enfrentar esta dramática e urgente situação, o poder público precisa tomar
atitudes muito mais enfáticas para garantir atenção a todos os casos, independente da
capacidade de pagamento. Faz-se necessário que o SUS assuma imediatamente a
coordenação integrada da capacidade hospitalar pública e privada para que se
organize uma resposta mais abrangente e efetiva. Países como Espanha, Irlanda e
Itália já adotaram medidas nessa direção. O momento exige que o setor privado,
incluindo planos de saúde e hospitais privados, colaborem de forma muito mais
decisiva do que vem fazendo, dada a quantidade de recursos assistenciais que
mobilizam: leitos, profissionais, respiradores, equipamentos, máscaras, entre outros.
Exige também que, governos estaduais, Ministério da Saúde e governo federal
assumam suas responsabilidades nesta questão. Evitar ou postergar essa decisão terá
um impacto direto em vidas perdidas.
É preciso fazer valer o que está previsto em preceitos fundamentais da Constituição
Federal: a universalidade do direito social à saúde (art. 6º; art. 23, inciso II; art. 24,
inciso XII; art. 194; art. 196; art. 197; art. 198; art. 199 e art. 200), o direito
fundamental à vida (art. 5º, caput; art. 227 e art. 230), o direito fundamental à
igualdade (art. 5º, caput, e art. 196), o fundamento da República Federativa do Brasil
de dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III) e, por fim, o objetivo fundamental
de construir uma sociedade justa e solidária (art. 3º, inciso I). A Constituição também
prevê que (artigo 5º, inciso XXV), em caso de perigo público iminente, a propriedade
particular pode ser usada por autoridade competente, mediante indenização posterior ao
proprietário em caso de dano. O mesmo é afirmado pela Lei n° 13.979/2020, que
estabelece o estado de calamidade pública, e na lei orgânica da saúde (Lei nº
8080/1990).
Diante da necessidade de estabelecermos mecanismos práticos que viabilizem o
acesso universal e igualitário aos serviços de saúde como prevê a Constituição de
1988; e da necessidade urgente de construção de uma resposta eficaz e solidária à
epidemia, que salve a maior quantidade de vidas possível, propomos:
1. A requisição administrativa pelo poder público, de forma emergencial e
mediante indenização, de toda a capacidade hospitalar privada existente no
país para o tratamento universal e igualitário dos casos graves da COVID-19
através do SUS. Isso deve acontecer de forma articulada ao setor privado, que
por sua vez deve cooperar com recursos técnicos e assistenciais para o
enfrentamento coletivo da pandemia.
2. O controle e coordenação da utilização de todos os leitos públicos e privados
pelo SUS, mediante a instauração de um sistema de regulação unificado de
leitos gerenciado pelas secretarias estaduais. O acesso deve ter por base
critérios clínicos e epidemiológicos, sem discriminação pela capacidade de
pagamento individual.
3. Que o Governo Federal, em articulação e cooperação com os estados e
municípios apresente imediatamente projeções de demanda de leitos de
internação, UTI e respiradores para todas as unidades da federação e regiões
de saúde. Que sejam disponibilizados imediatamente os recursos financeiros e
assistenciais necessários para a construção de capacidade hospitalar para
todos que precisam, considerando critérios epidemiológicos e disparidades
regionais. Isso pode ser feito utilizando a capacidade privada, adaptando
serviços já existentes para que se tornem leitos de internação e UTI, e
construindo quando necessário hospitais de campanha.
4. O monitoramento, gestão e distribuição unificada dos estoques de
equipamentos de proteção individual (EPIs) que garantam isolamento
respiratório e segurança para todos os profissionais de saúde na rede pública e
na rede privada. O mesmo vale para os testes da COVID-19, que precisam ser
disponibilizados e distribuídos em uma escala muito superior ao que vem
acontecendo.
5. Estímulo às empresas com capacidade de produção de respiradores artificiais,
monitores, leitos especiais de UTI e demais dispositivos necessários à
ampliação do parque hospitalar, bem como articulação imediata com empresas
industriais que possam ampliar essa produção em nível nacional. Importação
imediata de quantos respiradores artificiais se dispuser. O mesmo vale para
EPIs e testes de diagnóstico da COVID-19.
Referências e Bibliografia Complementar
[1] RACHE, B et al. Necessidades de Infraestrutura do SUS em Preparo ao COVID19: Leitos de UTI,
Respiradores e Ocupação Hospitalar. Nota Técnica nº 3. IEPS.
[2] ALMEIDA, JFF et al. Previsão de disponibilidade de leitos nos estados brasileiros e Distrito
Federal em função da pandemia de Sars-CoV-2. Nota Técnica LABDEC/NESCON/UFMG n°2
[3] COSTA, NR e LAGO, MJ. A Disponibilidade de Leitos em Unidade de Tratamento Intensivo no
SUS e nos Planos de Saúde Diante da Epidemia da COVID-19 no Brasil. Nota Técnica. 19 de março
de 2020
[4] Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)
[5] NORONHA, K et al. Análise de demanda e oferta de leitos hospitalares gerais, UTI e
equipamentos de ventilação assistida no Brasil em função da pandemia do COVID-19. Nota Técnica
n.1. CEDEPLAR/UFMG: Belo Horizonte, 2020.
[6] CASTRO, MC et al. Demand for hospitalization services for COVID-19 patients in Brazil
Harvard. medRxiv 2020.03.30.20047662.
[7] KAY, G et al. Cenários para a demanda vs oferta de leitos de UTIs e respiradores na epidemia
COVID-19 no Brasil.
[8] WANG, D e Lucca-Silveira, M. Escolhas Dramáticas em Contextos Trágicos: Alocação de Vagas
em UTI Durante a Crise da COVID-19. Nota Técnica nº 5. IEPS
[9] As empresas de planos de saúde no contexto da pandemia do coronavírus: entre a omissão e o
oportunismo. Nota Técnica GEPS/USP e GPDES/UFRJ.
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